Esse tópico sem dúvida vai distoar dos demais. Além disso tá cheio de "eus" e "mins", purgação e refluxo. Se você está sem pique pra papo brabo, pule pros anteriores ou aguarde os próximos.
Dei sorte. Trombei com o fantasma da morte no Dia da Mentira, veja só.
Hoje finalmente caiu minha ficha. Encontrei o final de um conto que um dia parei de escrever. Quero entrar no mérito da questão e não ater-me ao fato isolado (até porque mal consegui aceitá-lo).
Esta existência é uma completa, total e irrestrita merda sem companhia. Fala-se de solidão, de estar só, disso, daquilo. Mas não falo de um mero idiota coisificado a pasmar do seu lado enquanto o tempo passa. Falo de viver para o outro, de fato, com a devida medida. Falo do Papel integral.
Não se trata de sacrifício da individualidade, isso é mero romantismo estúpido. A medida com o qual reflete é única como uma fase lunar sem a qual não há outra. Muito menos falo da 'toda-abnegada' caridade ocidental para inglês ver. Pra entender, repito uma pergunta:
"Tente contar sua história pessoal sem citar uma única pessoa além de si.
Conseguiu?"
Eu nunca consegui. E nunca fui tão plenamente feliz por ser incapaz de algo como nesse caso. Eu não imagino a mim mesmo sem cada uma das grandes presenças que formaram meu dia-a-dia, meus pensamentos, meu caráter, minha emoção. Nunca pensei que tocaria a felicidade ao descobrir-me tão dependente, nem em encontrá-la na dor.
Penso nos meus amores. No ódio aos seus defeitos, às qualidades que me ferem, às repulsas que provocam. Na fome que provocam-me, um a um. No quanto nutrem a mim. É uma simbiose tão magnífica que, nessa teia de esmeraldas que refletem-se entre si, fica impossível dizer onde começo e onde termino, o que em mim é luz original e o que retribuí em lampejos.
Claro, a luz pessoal existe. E?
Existe para Lucifer também, e no entanto sua caça bilenar envolve a fugacidade de Outra. A Sua nunca lhe pertence, não nasceu para si. A questão é que não importa o que você é (e principalmente o que você acha que é), e sim o quanto brilha e rebrilha. O quanto troca.
Perfumarias. Dissolver o ego, sublimar a existência, bla bla blás esotéricos, psicologias de buteco, doutrinas quânticas e muita filosofia sobre o Nada jamais serão minimamente coerentes com o foco. Às mesmas recorremos sempre que nos perdemos. E só.
Viver é recompensa e fardo em si. É o Paraíso do Inferno. Você está aqui, fruto simultâneo de acaso e destino, pra viver, pra se foder de verdade, pra amar com o desespero de um Deus, posto que homem. Pra perder tudo e, ainda assim, reafirmar a vida. Pra ser amarrado na árvore por sete dias. Pra fermentar no sepulcro por três. E para amar em todos.
Faça-me o favor de perdoar minha ignorância, tolere esse momento. Não me venha com chorumelas sobre fugir do amor. Não tenha a pretensão autopiedosa de poupar os outros de sua presença, nefasta ou não. Não tenha o atrevimento, a displicência, jamais, de vir na minha orelha vomitar sua pretensa fome de libertação.
Cansaço é a puta que pariu. Só o mais estúpido dos estúpidos (e todos disputamos essa função frequentemente) permite-se abrir mão antes do tempo. E esse tempo quem decide é Além. Sua alma, como a minha, quer a perdição do desespero, do sofrer a perda (exclusiva dos que tiveram), da vida no talo, até a última gota. O espírito procura o paraíso da Alma e nada mais. Amamos essa escravidão, é para isso que fomos feitos, do primeiro anjo ao último homem.
E não só homens. Todos aqueles que travaram o Verdadeiro Contato, o olho no olho que supera toda a dicotomia entre interesse pessoal e ética coletiva, sabem, sentem e precisam do outro como de si próprios. Para além da razão, instrumental prolixo a que se atribui função para a qual jaz incapaz.
Eu não quero fugir de Maya. Eu sou Maya. Cada parte de mim passível de chamar-se EU está diluída, formulada e nutrida na Mãe. Se eu quisesse continuar imerso no Todo, não tinha saído de lá, não tinha iniciado o processo do querer inerente ao que É. O Desejo, o primeiro Verbo, ecoa pelo universo e em mim. Dispenso todos os atalhos, toda a esterilidade quântica, todos os favores do oculto, todos os magus e seus devaneios: minha terra é a devastada, onde sangro e misturo-me. E frutifico.
Não há lugar a chegar senão Aqui, Agora. Quero Estar onde estou.
Não serei eu o ator vagabundo a estragar a Peça pelo qual existo. Nela, até o fim, com os meus. As coxias jamais importaram, encaro após os aplausos. O Melhor de mim flui sem controle nem lapidação.
Pueril manifesto automático e vociferado: foda-se o Absoluto.
Apegado, febril, colérico. Vivo. Como os que amo, pelos quais sangrarei os litros que não tenho. Porque nada tenho senão o desejo de posse dos meus para comigo. De ser pertencido.
É com profundo orgulho que me entrego aos meus donos, cada um deles. Dói. E é pra ser assim.
Que eu corresponda e que jamais me furte a viver. Que a coragem jamais ceda ao cansaço e ao medo. São minhas únicas evocações. Auto-evocações. Eu, quasar de mim mesmo, quero os brilhos que me ofuscam. Para todo o Sempre a que têm direito os abençoados com a finitude. Honrarei a horança de Dionisio, meu único Deus, que abençoou-me com seu nome. Amarei novamente a cada morto que me escapa, arraigado, profundo e vivido. Porque o todo do Absoluto que me interessa são as partes que decidimos ser. Esta é a nova forma de sermos Um e esta, sob nenhuma a outra, é a que vivo.
Enterro cada um dos que amo com a certeza de fazer tudo novamente, aqui, no mundo onde estar juntos é mais do que semântica.
É fato.
Felicidade é ter propósito.
Pronto. Voltemos à bipolaridade de costume: tópico up na sequência. Létis plêi aguéin.